O Cinema Em Portugal
O início do cinema português tem lugar com a exibição das primeiras curtas-metragens amadoras de um empresário da cidade do Porto, Aurélio Paz dos Reis. A Saída do Pessoal Operário da Fábrica Confiança, de 1896, é uma réplica sua do filme dos irmãos Lumière (1894), La sortie de l’usimne Lumière è Lyon, que é considerado o primeiro filme da história do cinema e, ao mesmo tempo, o primeiro documentário.
Anos 10
A ficção cinematográfica portuguesa nasce em 1907, onze anos depois das primeiras obras do género terem sido criadas por Georges Méliès, em França. É uma curta-metragem filmada pelo fotógrafo lisboeta João Freire Correia e realizada por Lino Ferreira, O Rapto de uma Actriz.
A Portugália Film, empresa lisboeta de João Freire Correia, começa a produzir em 1909.
Anos 20
A indústria de cinema em Portugal terá início em 1918, após a reestruturação da produtora Invicta Film. Durante os anos vinte, a produção cinematográfica portuguesa dedica-se principalmente à transposição dos clássicos literários portugueses para a televisão, entregando a direcção dos projectos a realizadores estrangeiros. Georges Pallu filma uma adaptação de Eça de Queirós, O Primo Basílio, em 1922. Roger Lion tenta o drama (A Sereia de Pedra – 1922), e filma uma história dramática vivida por pescadores da Nazaré (Os Olhos da Alma - 1923). Rino Lupo explora o drama rústico (Os Lobos – 1923) e a aventura (José do Telhado - 1929).
Anos 30
Leitão de Barros, no primeiro ano da década de trinta, começa com humor numa obra de regime (Lisboa, Crónica Anedótica em 1930). É ele ainda que, em Portugal, faz o primeiro filme sonoro: A Severa (1931). Os estúdios da Companhia Portuguesa de Filmes Sonoros Tobis Klangfilm (Tobis) são construídos em Lisboa no ano seguinte, no Lumiar. Lopes Ribeiro torna-se a voz cinéfila da ditadura salazarista.
Nos filmes, a que o público acorre, seduzido pelas imagens animadas que desvelam o país, reinam actores de revista: Beatriz Costa, António Silva, Maria Matos, Vasco Santana.
É nesta altura que aparecem os musicais e as comédias: românticas maioritariamente.
Anos 40
É nesta década em que Manoel de Oliveira realiza o seu primeiro filme: Aniki-Bobó (1942). Na linha dos projectos de grande publico, Arthur Duarte filma O Costa do Castelo (1943) e A Menina da Rádio (1944). Armando de Miranda realiza José do Telhado (1945), um filme popular e grande êxito de bilheteira.
Em 1944 é entretanto criado o Secretariado Nacional de Informação, e em 48 é promulgada a lei que protege o cinema português e promove a produção artística, controlando-a.
Anos 50
António Lopes Ribeiro realiza uma adaptação ao cinema da obra Frei Luís de Sousa em 1950. O primeiro sinal de mudança é dado por Manuel Guimarães que, com uma vertente neo-realista, opta por dar a ver às pessoas o lado mais cru da vida em Saltibancos (1951) e Nazaré (1952). Nazaré foi um filme extremamente censurado.
A RTP (Rádio Televisão Portuguesa) é criada em 1955 e terá um papel importante na divulgação dos clássicos, na mudança dos hábitos de consumo de conteúdos e, em especial, quando abre as suas portas à produção externa depois de 1974.
Anos 60
É nesta década que aparece o primeiro filme português a cores, Raça, em 1961. José Ernesto de Sousa produz Dom Roberto em 1962, personagem do teatro de fantoches, criado por um vagabundo, João Barbelas, que ganha vida com espectáculos de rua. Teórico do neo-realismo, Ernesto de Sousa ousa agitar as águas, suscitando questões de consciência e sentimentos de revolta em Portugal com Dom Roberto, o que lhe trás consequências graves: è preso pela PIDE, o que o impede de ir a Cannes celebrar a vitória de um prémio no Festival de Cannes.
Dom Roberto e Os Verdes Anos (1963, de Paulo Rocha) marcam o início do chamado Novo Cinema.
Em 1969, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian é criado o Centro Português de Cinema, que produzirá, em espírito cooperativo, uma parte significativa dos filmes da nova geração, inconformada com a situação social e política e admiradora das novas tendências de autores estrangeiros que os clubes de cinema vão revelando.
Anos 70
Dessa geração, já nos anos setenta, seguem o movimento do Novo Cinema, António de Macedo (Nojo aos Cães – 1969 – proibido pela censura), Fernando Lopes (Uma Abelha na Chuva – 1971), estes dois filmes são produzidos com fundos pessoais, material emprestado, ajuda de amigos, sendo chamados “filmes de desespero”. António de Macedo dá visibilidade internacional ao movimento com A Promessa (1972), seleccionado para o Festival de Cannes em 1973, é o terceiro filme português a ser aceite neste festival.
Manoel de Oliveira reinicia uma longa carreira a partir de 1971 com O Passado e o Presente, o primeiro filme produzido pelo CPC (Centro Português de Cinema), que dará à luz uma boa parte das obras dos novos realizadores. Nesse ano, é originado o Instituto Português de Cinema, em 1973, destinado a gerir os financiamentos públicos para a produção de filmes nacionais. Nesse mesmo ano também é criada a Escola Piloto de Cinema.
A década seria ainda marcada pelo amplo recurso a uma inovação técnica com origem nos anos sessenta: o uso de máquinas de filmar de 16 mm com capacidade de gravação de som sincronizado com a imagem. Estas câmaras revolucionariam não só as técnicas como também a própria linguagem cinematográfica, permitindo grande agilidade na filmagem e a possibilidade de reduzirem consideravelmente os custos de produção. A abordagem de certos temas, que seria bem mais complexa com câmaras de 35 mm, torna-se mais fácil.
A Revolução do 25 de Abril seria decisiva para o futuro do cinema português, quer pelas liberdades que introduziria nas práticas sociais e culturais quer pelo papel que a RTP viria a desempenhar na produção e difusão de obras cinematográficas nacionais, em particular na área do documentário.
Como consequência directa da revolução são criadas no IPC (Instituto Português de Cinema) as Unidades de Produção, que, usando os meios técnicos de produção e pós-produção disponibilizados pelo IPC, têm como objectivo garantir a actividade dos profissionais de cinema, ilustrar as transformações radicais com que o país se confronta, fazê-las chegar a locais onde nunca chegaram, educar e agitar politicamente as consciências dos portugueses. Um dos exemplos representativos do movimento é o filme colectivo As Armas e o Povo, produção do Sindicato de Trabalhadores do Cinema e Televisão.
Surgem as cooperativas de cinema : a Cinequipa, a Cinequanon, o Grupo Zero e certos produtores independentes. Na prática do cinema empenham-se António de Macedo e Luís Galvão Teles (Cinequanon). Fernando Matos Silva e José Nascimento (Cinequipa), Alberto Seixas Santos (Grupo Zero).
Anos 80
Os anos oitenta são, na história do cinema português, uma década reveladora. Anos de ouro, pelo volume de produções, pela novidade e diversidade nas formas e nos conteúdos, mas também por essas produções prefigurarem consequências das transformações ocorridas e do trabalho desenvolvido na década anterior, como resultado da Revolução de Abril.
Os anos seguintes da década de oitenta caracterizam-se pela intervenção de cineastas mais jovens e pela aposta feita por agentes culturais em Manoel de Oliveira, que se torna cineasta oficial, filmando desde Amor de Perdição (1978) ao ritmo de cerca de um filme por ano.
Da gente nova, João Botelho, um dos primeiros frutos da escola oficial de cinema, ganha estatuto com A Conversa Acabada (1981), obtendo alguns prémios nacionais e internacionais. Nesse ano, Oliveira faz-se notar com Silvestre, que é seleccionado para o Festival de Veneza e que obtém dois prémios noutros festivais internacionais.
Anos 90
Manoel de Oliveira (Vale Abraão - 1993) e João César Monteiro, (A Comédia de Deus - 1995) continuam a filmar com regularidade. A Comédia de Deus, um dos filmes de expressão autobiográfica de João César Monteiro e O Convento, ensaio filosófico de Manoel de Oliveira, terão os seus espectadores, por cá e lá por fora.
Em 1997, Joaquim Leitão, em terra hostil, esforça-se no Tentação, mas não tem grande aderência. A essa mesma conclusão chega Leonel Vieira que, por idênticas paragens, tenta impressionar com sombrias lembranças (A Sombra dos Abutres). Manoel de Oliveira leva-nos, numa especial Viagem ao Princípio do Mundo: mostrando, desta vez de um modo bem cinematográfico, que nele não é muito habitual, que por tais paragens o bom povo há muito se confronta com o esquecimento.
Em 1998, Joaquim Leitão faz também a sua viagem a um lugar inquietante, ao qual chama Inferno. Apostando na arte pura, Manoel de Oliveira volta ao passado mostrando que já nesses tempos a melhor solução seria o suicídio (Inquietude).
Anos 2000-2010
A situação do cinema português altera-se radicalmente nesta altura, quando aparecem filmes destinados às audiências habituais das telenovelas. Os media perseguem os actores para denunciar as suas escandalosas intrigas e lucrar ainda mais com as mesmas audiências. Desta maneira, podemos dizer que a televisão invade o cinema, investe em produções em que figuram vedetas do pequeno ecrã e outras que enchem o grande com os seus dotes físicos, com exposição crua em cenas de sexo explícito. O estratagema resulta e quase todos estes filmes se tornam sucessos de bilheteira.
Na passagem de 2001 para 2002, a obra de Manoel de Oliveira é tema para uma retrospectiva no Centre Pompidou, em Paris, com a presença do realizador e de ilustres personalidades portuguesas.
Misturam-se géneros e linguagens, o vídeo e a televisão entram em força no reino do cinema. A meio de uma década com o país em crise vê-se o cinema português numa encruzilhada. Tem diante de si questões delicadas que ainda ninguém sabe como resolver. Cria-se novos modelos de financiamento para o salvar. O fundo, em que intervém o Ministério da Economia com mediação do ICA, é sustentado pela RTP, a televisão pública, pelos grupos privados de televisão SIC e TVI e ainda pela distribuidora de programas por cabo Zon, controlada pela Lusomundo. Tem por objectivo «aumentar as oportunidades de financiamento da produção de obras cinematográficas, de multi-plataforma e audiovisuais». A iniciativa, que emperra nos últimos anos da década, conduzirá à produção de uma dezena de filmes estritamente comerciais.
Na segunda fase da década, – no mesmo ano em que, com Stanley Donen, Manoel de Oliveira, em consagração coincidente com a proximidade do seu centenário (2008), é homenageado com um "Leão de Ouro" (o segundo) pela sua carreira, também no Festival de Veneza (2004), onde no ano anterior fora exibido Um Filme Falado – por cá, mas noutro registo, dá que falar O Crime do Padre Amaro, de Carlos Coelho da Silva, que se apresenta em estilo de telenovela bem temperada, versão cinematográfica de uma série da SIC.
Resumindo e Concluindo:
Na primeira e conturbada década deste novo século são produzidas largas dezenas de longas-metragens portuguesas a fundo perdido, com apoio financeiro do Ministério da Cultura. Muitas, mesmo com o seu mérito, ou têm uma passagem meteórica pelas telas ou simplesmente não chegam sequer a ser exibidas. Raros ecrãs as aceitam. Além disso, na RTP, que presta serviço público, quase nunca se vê um filme português e praticamente nenhum é visto nas televisões privadas, saturadas todas elas de séries "populares", de programas e de filmes norte-americanos. O panorama agrava-se nos meios de difusão audiovisual por cabo. O grande público nacional consome filmes comerciais portugueses que não ultrapassam fronteiras e os que não são comerciais pouco vistos serão, mesmo quando são vistos lá fora.
No entanto, confirmando aquilo que já se vira, o final da década indicia novos caminhos. Nos seus últimos anos, sem que alguém previsse, filmes “pobres”, de fracas posses ou de mãos vazias, mas de proveitosas ideias, cruzam mares e implantam-se no lado de lá do Atlântico.